É possibilidade o cristão cometer desvios maiores que aqueles que se declaram viver como bem desejam? Eu acreditava que, alguém que invoca o nome de Cristo, na medida que se aprofunda nos mistérios de Deus , melhorava. Me enganei. Nem todos. Acredite, é possível o crente ser pior que o descrente. Ele pode, mesmo vivendo na companhia do povo de Deus, louvar com povo de Deus e cultuar com o povo de Deus e, ainda assim, estar contaminado com o pecado da negatividade (apatia):
· Imaturo: se recusar crescer espiritualmente no filho de Deus mantendo a sua religiosidade.
· Inquieto: se recusar plantar, regar e esperar o fruto de suas obras no tempo determinado pelo céu.
· Indiferente: se recusar envolver e participar junto aos desafios de uma comunidade cristã.
· Intransigente: se recusar aceitar outras opiniões, outros conceitos e se tornar um opositor constante.
· Indecente: se recusar ajudar, trabalhar, fingindo não entender, mesmo quando é solicitado.
· Insensível: se recusar sofrer ou compartilhar das lutas e dificuldades do próximo.
De fato, o cristianismo não se baseia no saber sobre, mas no fazer como. O evangelho de Cristo é uma mensagem que se traduz em ações concretas e práticas.
No tempo histórico de Jesus, o conhecimento, era um privilégio de poucos, restrito às elites e abastados. Os sábios gregos e judeus andavam constantemente com pergaminhos e escritos embaixo do braço para demonstrar sapiência ao povo. Mas, a única vez que Jesus procurou algo didático para revelar a sua sapiência como mestre e erudito, foi quando escreveu na areia.
Contudo, preferiu que as ondas do mar apagassem o seu conteúdo. O mistério desse escrito ainda povoa o nosso imaginário! Seus ensinamentos foram voltados às falas seguidas de exemplos, ou com a própria vida, ou realizando obras que provavam quem ele era. Sua humanidade foi atrelada aqueles que estavam esquecidos, por quem não tinha prestigio algum.
Ele não indicou nenhuma obra erudita da época, nem antes ou durante o seu curto ministério terreno, a não ser as leis de Moisés, conhecida por todos, mas, de igual forma, desprestigiadas por muitos. Não escreveu nenhuma obra ou pensamento, porém, mesmo assim, seus ensinos praticados, vigoram até hoje, alertando sobre a fragilidade humana e o perigo de uma fé religiosa que busca o sublime, mas tem a capacidade de abandonar o aflito. Dando entender que, quando a dor do outro não nos afeta, é porque já estamos muito longe da vontade de Deus. A religião de Jesus foi de aproximação, acolhimento e integração, junto aquele que o buscou, ou mesmo, por engano, teve um encontro casual com ele.
Nossa devoção deveria nos conduzir para o centro do mundo dos esquecidos, para junto daqueles que são prisioneiros das trevas. Mas o contrário acontece. Nossos louvores e adorações só tem alcance para nós mesmos, sem a chance de beneficiar o próximo. Nos embriagamos no culto, mas todo esse sentimento naufraga durante a semana, sem atender alguém que sofre, impedindo a sua salvação. E não estamos só falando de uma fé cega, mas de uma religião egoísta e narcisista.
Um sentimento maligno de se estancar as bençãos de Deus, privando as pessoas de se aproximarem da cruz de Cristo. É um ato que visa anular o sacrifício da cruz, transformando o suplicio do Calvário em festa popular e mundana. Há pecado maior que esse? O que se esperar de um crente que se quebranta no culto, mas não consegue transformar a sua fé em obras que glorificam a Deus? Já afirmava o apóstolo: “a fé, sem as obras, é morta!” O pior crente é aquele que tem sua fé sepultada na cova das inexistentes obras.
O texto de referência nos alerta sobre o perigo do descuidado humano, do abandono daqueles a nossa volta, de não conseguir enxergar a dor e a necessidade do outro. Cuidar requer tempo, dedicação e muita paciência. Quem cuida, cuida por que ama, porque não será feliz se o próximo permanecer sofrendo, em outras palavras: a dor do outro, arde em mim! A conversão genuína faz o coração transbordar o amor de Deus.
Temos visto, no universo evangélico, cada vez mais, investimentos em coisas, em templos, em tecnologias com o objetivo de acolher o homem. Mas esses investimentos não chegam à mesa de quem tem fome, não aquece quem tem frio e nem minimiza a dor de quem tem chagas. Preferimos um ambiente de culto perfeito, mas descuidamos daqueles adoradores do Pai que não tem uma única moeda para ofertar. Não deveríamos socorrer quem está vulnerável para não ter que investir em coisas perecíveis e passageiras? Afinal, no céu de Deus, não entram coisas, só gente.
É notório que, quando as pessoas estão sendo assistidas e priorizadas, a menor de suas preocupações são templos, instrumentos ou festas. Elas não somente estarão conosco, mas também priorizarão a nossa companhia. Porque, quem ama, cuida! Quem é amado não está voltado para onde está, mas com quem está. As portas dos corações não se abrem para uma fala bonita, um lugar bonito, mas para uma atenção bonita. As pessoas não querem ouvir um discurso teológico, mas uma ação humanitária e fraternal assertiva.
O mundo não nos notará enquanto estivermos reduzindo o evangelho em culto, música ou festas, ele será relevante quando nossas ações revelarem o amor de Deus em nós e por nós. E de fato, é muito contraditório o que fazemos: temos a capacidade de expulsar demônios, mas não conseguimos multiplicar pães e peixes. Você entende isso? Usamos o poder de Deus para as coisas espirituais, mas não canalizamos esse poder para as necessidades físicas das pessoas. Apresentamos um evangelho que não é prático, pois atribuímos a culpa aos demônios dos infortúnios humanos, mas nos esquivamos da responsabilidade de fazer o que fomos salvos para fazer: libertar cativos, socorrer necessitados e anunciar o ano aceitável do Senhor. O básico também é relevante para Deus!
Quando o crente sabe o que fazer e como fazer, mas transfere a responsabilidade, ele se torna conivente com o mal e aliado das trevas. Pior que o descrente! Será que esse crente já está marcado pelo mal para se tornar empecilho ao evangelho de Cristo? Fugimos do mundo nos abrigando na igreja, na certeza que estamos seguros, enganamo-nos. Pois o crente, que não é crente, com o seu exemplo de descrente, quer nos fazer incrédulos novamente.